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segunda-feira, 10 agosto 2020 09:49

Contributos da Coordenação Nacional de Emergência da Cruz Vermelha na resposta à Pandemia

Créditos: Patrícia Campos

GO 73f16

Gonçalo Orfão
Coordenador Nacional de Emergência
 
Artigo retirado da resvista GESTÃO HOSPITALAR, ed. 21

 

A Cruz Vermelha é uma instituição humanitária não governamental, de carácter voluntário e de interesse público, que desenvolve a sua atividade devidamente apoiada pelo Estado, no respeito pelo Direito Internacional Humanitário, pelos Estatutos do Movimento Internacional e pela Constituição da Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho.

Baseado nos seus sete Princípios, Humanidade, Imparcialidade, Neutralidade, Independência, Voluntariado, Unidade, Universalidade, tem como missão prestar assistência humanitária e social, em especial aos mais vulneráveis, prevenindo e reparando o sofrimento e contribuindo para a defesa da vida, da saúde e da dignidade humana. No âmbito do desempenho da sua missão, a Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) possui uma unidade de Coordenação Nacional de Emergência, responsável pela gestão e coordenação da emergência a nível nacional, nomeadamente no apoio e socorro a situações de acidente e desastres naturais ou provocados pelo homem, dispondo para o efeito de uma estrutura sediada em Coimbra, no centro de Portugal, com capacidade de atuação nacional. Assegura a representação nos circuitos oficiais dos Agentes de Proteção Civil e Emergência a nível nacional, nomeadamente Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), Guarda Nacional Republicana (GNR), Forças Armadas. Também, a nível internacional, integra o Civil Protection Working Group do Gabinete da União Europeia da Cruz Vermelha e o Emergency Health Technical Working Group da Federação Internacional da Cruz Vermelha (IFRC). No âmbito das suas funções diárias, garante o funcionamento ininterrupto 24 horas por dia/365 dias por ano, e em permanente ligação nacional aos principais Agentes de Proteção Civil, de uma Sala de Operações Nacional e gere três Plataformas Logísticas de Emergência, com armazenamento dos equipamentos e materiais essenciais para respostas de apoio à sobrevivência da população em situações de desastre, bem como respostas diferenciadas da Cruz Vermelha Portuguesa. Historicamente, os princípios da CVP estão associados a uma cultura e tradição intrinsecamente ligados a desastres e catástrofes, com capacidade de atuação e mobilização internacional.

A integração e formação de base de todos os voluntários e profissionais, bem como a sua ideologia de ação baseia-se nestes princípios, com uma aquisição de conhecimento e capacidade técnica no âmbito da resposta de catástrofe, na consciência (ou desejo) de não existir necessidade do seu uso um dia. No entanto, atualmente é notória a importância do Movimento Internacional da Cruz Vermelha, com uma atuação permanente e assídua em diversas catástrofes naturais a nível internacional.

De facto, tem-se verificado nos últimos anos uma maior consciência perante o desastre com o desenvolvimento de mecanismos e respostas centralizadas e fortalecidas com especial incidência nos países desenvolvidos, como é exemplo do Mecanismo Europeu de Proteção Civil. A perceção de risco tem reforçado a prevenção, mas também o apoio direto a países em desenvolvimento.

 

Aprendizagem

A Cruz Vermelha Portuguesa teve, no passado, desafios internacionais que motivaram um planeamento urgente de resposta. A Operação Embondeiro, de apoio a Moçambique após o Ciclone IDAI em 2019 demonstrou essa realidade. Em menos de uma semana a CVP teve de preparar, planear e ativar uma resposta de emergência baseada em Voluntários, que consistiu na montagem de um Hospital de Campanha de apoio ao Centro de Saúde de Macurungo, na Cidade da Beira. Com a última emergência internacional há mais de 10 anos, todo o espírito, cultura e conhecimento de emergência foram colocados em teste. Obstante os desafios, o resultado foi um sucesso traduzindo-se num case-study de intervenção internacional, face à inexistência de equipa previamente formada.

 

3W: When? Where? What?

A preparação e planeamento de emergência baseia-se numa previsão não objetiva, pelo que por diversas vezes “preparamos o pior, para fazer o melhor”.

O Incêndio de Pedrogão marcou a atuação de emergência que mudou paradigmas em Portugal. A análise e aprendizagens, após incêndio, iniciaram-se para a possível repetição do episódio. Quando? Passado 6 meses, o Incêndio de 15 de outubro, repetiu o estado de desastre impensável de (voltar) acontecer.

 

Pandemia Covid-19

A Covid-19 mudou severamente o paradigma da resposta de emergência da Cruz Vermelha Portuguesa. Importa recordar que os esforços e desenvolvimento de equipas no âmbito da reposta humanitária focavamse em respostas direcionadas para exterior, nomeadamente países dos PALOPs. 2020 seria o ano de aposta da CVP na formação e fortalecimento de uma equipa de resposta internacional, com o planeamento de um curso em Public Health in Emergencies, ministrado pela IFRC em Portugal, e integração de elemento portugueses em equipas de resposta internacional (ERU - Emergency Response Unit) de outras Sociedades Nacionais do Movimento Internacional da Cruz Vermelha. A pandemia do SARS-CoV-2 desafiou o paradigma da ajuda humanitária internacional. Da atuação transfronteiriça, o desafio era, agora, interno. A CVP iniciou em janeiro a preparação para uma potencial epidemia de SARS-CoV-2. A linhas de atuação, com orçamento limitado (porque ninguém acredita na factualidade das emergências em território nacional) basearam-se em:

  • Formação dos operacionais em procedimento de segurança pessoal e na atuação com doentes contaminados, para proteção dos operacionais, com enfoque, também, na área da saúde mental;
  • Criação de equipas dedicadas à emergência pré-hospitalar para o transporte de doentes com Covid-19, de forma a potenciar a atuação na fase de contenção;
  • Alargamento e formação específica da rede de transporte de cadáveres;
  • Criação de kits de EPI (Equipamento de Proteção Individual) para as equipas no terreno, de forma a otimizar a resposta da rede;
  • Educação e formação os elementos da CVP sobre a doença e problemas inerentes de saúde pública e social, com o objetivo de potenciar respostas paralelas e inovadoras em diversas áreas.

Numa estreita atuação com o INEM, foi criada uma rede complementar de 15 ambulâncias dedicadas em exclusivo ao transporte de doentes no âmbito do novo coronavírus; foram formados 700 operacionais nos procedimentos de segurança pessoal e das vítimas, com o intuito de assegurar uma cobertura de norte a sul do país, com posterior transição para formação e-learning e foram produzidos 1708 kits EPI para a rede da Cruz Vermelha. Com o desenrolar do panorama verificou-se que a realidade ultrapassou o imaginável.

A Epidemia transformou-se numa Pandemia. A corrida de 100 metros transformou-se numa maratona. Um mercado completamente disruptivo colocou em prova a resiliência na manutenção da segurança e capacidade de atuação das equipas da Cruz Vermelha. Teve-se, assim, de desconstruir a resposta e inovar.

 

Inovação

“Inovação”, citando Tedros Adhanom, Presidente da Organização Mundial de Saúde, quando declarou o estado de Pandemia, traduz a verdadeira realidade dos factos e necessidade dinâmica de constante adaptação. A Cruz Vermelha Portuguesa iniciou o combate à Covid-19 atuando nas suas áreas de excelência. A formação de elementos, a criação de ambulâncias dedicadas ou, mesmo, o reforço no apoio social são áreas que a CVP trabalha diariamente, portanto, com experiência e conhecimento. O reforço e a necessidade de otimizar a resposta, prolongada no tempo, teve em conta dois aspetos fulcrais:

  1. Segurança e saúde (mental) das equipas da Cruz Vermelha

As equipas da Cruz Vermelha assumem-se em diversas ocasiões como equipas de resposta de primeira linha. Verifica-se quer no socorro pré-hospitalar quer no apoio social, onde o contato direto com o indivíduo e população é inevitável, e com um seguimento posterior na cadeia de socorro e apoio e interligação a outros técnicos. Associado a este facto é importante realçar que muitas das equipas da CVP, principalmente em momentos de catástrofe, são constituídas por Voluntários. Torna-se, assim, fundamental controlar e monitorizar esta exposição promovendo e gerindo o estado de saúde dos Voluntários e a operacionalidade da Cruz Vermelha. Neste âmbito, a formação competente e adaptada à nova realidade (nomeadamente no uso de EPI), mas também a promoção da saúde mental e física são fulcrais. Nesta resposta, além da formação desenvolvida já referida, foram criadas linhas diretas de apoio interno a profissionais e voluntários, salvaguardadas por médicos e psicólogos, e com o objetivo de esclarecer, monitorizar e acompanhar qualquer situação de risco. Paralelamente, e diretamente com os responsáveis de cada estrutura local da Cruz Vermelha, foi criado um sistema de vigilância de elementos infetados com SARS-CoV-2 e realizado aconselhamento interno na gestão de situações ou contactos de risco. De notar que a Cruz Vermelha Portuguesa no âmbito da operação de ambulâncias dedicadas ao Covid-19 não teve qualquer socorrista infetado através de um trabalho afincado de procedimentos instituídos, distribuição de EPI e formação.

  1. Teste diagnóstico Covid-19

As recomendações da OMS foram objetivas desde o início da Epidemia: existe necessidade de testagem para identificação da doença e permitir a devida contenção/mitigação. A realidade portuguesa, nomeadamente a capacidade laboratorial e de colheitas de amostras, não apresentava capacidade para as solicitações de testes verificadas. O tempo de espera para a realização de teste de diagnóstico correspondia a uma resposta demorada, com consequências a nível da gestão e controle da doença. Neste âmbito, e baseado na experiência e conhecimentos da CVP na área da saúde na rede de emergência e da Escola Superior de Saúde de Lisboa da Cruz Vermelha Portuguesa, iniciou-se um processo para realização de teste de diagnóstico da Covid-19.

Numa estreita parceria com o Instituto de Medicina Molecular de Lisboa, que garantia a capacidade laboratorial, formaram-se equipas para a realização de zaragatoas e constituiu-se um Posto de Testes fixo no Hospital da Cruz Vermelha. Numa verdadeira sinergia da rede, envolvendo elementos das Estruturas Operacionais de Emergência, mas também professores e alunos da Escola Superior de Saúde da CVP, criou-se em tempo record um posto drive-thru para realização de testes da Covid-19, com funcionamento em tendas durante 12h por dia, durante 2 meses. No total foram efetuados 3260 testes com a criação de uma Via Verde para agentes de Proteção Civil e Forças de Segurança, com a possibilidade de realizar testes minimizando o impacto da doença nestes serviços.

Paralelamente, e face à necessidade imperiosa e nacional de realizar testes em lares e unidades de acolhimento de idosos, foram criadas equipas móveis para permitir a realização de testes de forma ágil e permitir um eficaz rastreio.

 A Cruz Vermelha Portuguesa formou até ao presente 13 equipas nacionais para realização de testes de diagnóstico da Covid-19 e realizou mais de 20.000 testes!

 

 Futuro

A incógnita perante o futuro é uma realidade face à necessidade premente de mais conhecimento sobre uma (nova) doença que transbordou em Pandemia. No entanto, há uma necessidade de atuação imediata e contínua enquadrada tecnicamente, que dê resposta às necessidades atuais.

 A Cruz Vermelha Portuguesa adaptou-se e inovou nas respostas à Pandemia de SARS-CoV-2. Criou novos mecanismos, reformulou a rede de voluntários, apostou e desempenhou um papel relevante através dos mecenas e donativos que recebeu, em estreita articulação e suporte às entidades públicas e Estado Português. Estamos presentes para ajudar a construir um futuro melhor.

 

”DE NOTAR QUE A CRUZ VERMELHA PORTUGUESA NO ÂMBITO DA OPERAÇÃO DE AMBULÂNCIAS DEDICADAS AO COVID-19 NÃO TEVE QUALQUER SOCORRISTA INFETADO ATRAVÉS DE UM TRABALHO AFINCADO DE PROCEDIMENTOS ESCRITOS, DISTRIBUIÇÃO DE EPI E FORMAÇÃO”.

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